quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

(sh!)

As tempestades nascem sempre em agosto.

E só conseguimos dominá-las em meados de fevereiro.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Lição à distância de Recife

(para um artista da fome)

Em Recife
as coisas são mais pungentes que aqui
(dentro do meu quarto
dentro
do meu corpo)
são mais pungentes porque mais claras
e claridão
vasta palavra que ilumina
o mundo
e o artista:
viola violão


São mais azuis
as manhãs entregues à ternura
e ao afeto
mas também as tardes
violáceas
como uma estrofe de poema.


E dizia Recife
a cidade envolve o homem
dentro de um ônibus
compondo a música dos dias
e dos anjos
e dos que não tem dias
e dinheiro, e no entanto
seguem tocando a vida
e o vilão
não para ganhar dinheiro
mas pão


Eu não o vejo
(estátua móvel
sob as penas da mente)
não o vejo
roupas sapatos
não vejo seu rosto
exceto esse lampejo de face
a me clarear os olhos
de certo
o mesmo lampejo
que clareou o dia
de quem o viu tocar
numa tarde (que se não fosse isso)
quase banal em Recife.



quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Guarapari

Mar de morrer
de amor: morro além.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Carta aberta a uma guria

Ainda habitará em mim o tempo destas tardes azuis que escorre como um líquido ativo, um mel de fruta a se encaixar no próprio fruto; porque no fruto está também o futuro, a vida protegida, os rios doces que permeiam a carnadura de uma maçã, por exemplo: em mim habitará este tempo túrgido de manhãs, mas em ti - meu amor, meu bem - ainda que pulse esse tempo, seriam seus últimos dias, seus últimos minutos até que um vento oceânico ou não levará com as relações cotidianas ou as compras do mês ou ainda as notas de teus (futuros) filhos da escola; talvez neste momento me sentirei livre de ti, alheio e alhures ao que te acontece, talvez neste ímpeto eu me liberte das amarras, desta âncora que é amar, no entanto, bem sei, me acostumarei a liquefazer meus desejos, minhas ânsias e impulsos, estarei acostumado a te proteger - mesmo distante - de tuas crises e de teus desamparos: estarei sempre cobrindo a solidão que a lua ou sol transpõe a ti, translúcida e ácida, e, ainda que encobertasse teus dias de fúria ou de calmaria, seria a tempestade de meus anos que se acabaria, por fim, entre meus dedos.

E tu estarás andando ou dormindo, passeando ou trabalhando, fabricando teus dias com a mesma delicadeza que os compõe hoje, mas eu estarei por terra, à beira do abismo de minha angústia e de minha vida pacata que levarei - porque o amor, este sertão aberto ao mundo, sempre e sempre e sempre será lavrado, porque nasce como flor do campo, não se sabe onde ou quais explicações geológicas ou físicas ou ainda climáticas a ele atribuir, o amor é calmo como o correr de tuas mãos que agora (imagino) atinge meu rosto - ainda que em vulcão tu te desdobres, ainda que assim te desejes mais que a mim, porque me sinto parte integrante de teu coração e de teus outros órgãos, porque sei que o tempo escorre como água, líquido e voraz, cachoeira de amar, incolor ao ar, mas intempestivo, impulsivo - do mesmo modo que serei impulsivo quando te vires, porque certamente virás até mim e passarás por mim distraída ou despercebida, e me sentirei obrigado a te chamar, implorar que me escute, porque explicarei - lá terei composto todas as frases, todos os gestos, a tonalidade da voz - cada segundo que passei, cada minuto que percorri como um atleta; bem sei, tu certamente se esquivarás, há de redobrar as falas, me aplicar golpes psicológicos e temporais até, por fim, dizer que tem um compromisso e sentarás à beira do mar aberto e invocarás o tempo, este menino traquinas, invocarás o tempo de tua juventude e de teus sonhos, implorarás para voltar e tecer novamente este laço; mas o tempo é químico, não há voltas, não há retorno: às escondidas, chorarás por tudo, por tudo o que poderia ter sido, por tudo que foi e por tudo que, não se sabe bem, a vida transforma ou transfigura; chorarás e acabar por sentir-se livre, aberta ao mundo, respirarás um ar novo e beijarás teu companheiro como da primeira vez, no vago espaço de tempo que te deixei respirar para que conhecesses outros e pudesses, lúdica, descobrir que o amor é quando estamos, verdadeiramente, sós.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Angela: compor em ar.

Como se tecido em ar,
áureo teu nome brilha em voz.
Distante,
mais que distante
teu nome perdido
em meus cabelos.

E digo nome
para não dizer a fruta que o envolve,
das doçuras que se faz na boca
ao dizê-lo: mineral, azougue em tempos,
é um dia de dizê-lo azul.

II
E dizê-la
a mulher, invólucro da carne: não a música
tingida no ar
mas o tocar - além de câmaras
além
dos toques
que de compor o ar
abre-o na flor da pele,
destilando o pólen dos dias.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Poema em peso

Toda palavra contêm, em sua nódoa de carne e fúria, o caos
destravando as manhãs; detendo-se em línguas, lábios,
rachaduras que a voz reverbera.

De ígnea, a palavra seduz ao todo. Lavrada em aço
e chamuscada no dorso do tempo, infiltra-se nos poros
da pele
como a chuva por pétalas se atrae, entremeando seu corpo
líquido em fibras de delicadeza.

A vida implode
no que a palavra aguarda (em água) o tempo de nascer.

domingo, 29 de novembro de 2009

#1

(com o pensamento em Hölderlin)

fica na fruta
teu gosto
ao mordê-la: casca
que se dissolve.

(ouvindo a manhã
despedaçar-se entre mim,
ouvindo apenas
este rugir de ossos e aços que a aurora
produz: azul)

de poema em poema
faço meu chão, um sulco
na solidão.