sábado, 12 de dezembro de 2009

Carta aberta a uma guria

Ainda habitará em mim o tempo destas tardes azuis que escorre como um líquido ativo, um mel de fruta a se encaixar no próprio fruto; porque no fruto está também o futuro, a vida protegida, os rios doces que permeiam a carnadura de uma maçã, por exemplo: em mim habitará este tempo túrgido de manhãs, mas em ti - meu amor, meu bem - ainda que pulse esse tempo, seriam seus últimos dias, seus últimos minutos até que um vento oceânico ou não levará com as relações cotidianas ou as compras do mês ou ainda as notas de teus (futuros) filhos da escola; talvez neste momento me sentirei livre de ti, alheio e alhures ao que te acontece, talvez neste ímpeto eu me liberte das amarras, desta âncora que é amar, no entanto, bem sei, me acostumarei a liquefazer meus desejos, minhas ânsias e impulsos, estarei acostumado a te proteger - mesmo distante - de tuas crises e de teus desamparos: estarei sempre cobrindo a solidão que a lua ou sol transpõe a ti, translúcida e ácida, e, ainda que encobertasse teus dias de fúria ou de calmaria, seria a tempestade de meus anos que se acabaria, por fim, entre meus dedos.

E tu estarás andando ou dormindo, passeando ou trabalhando, fabricando teus dias com a mesma delicadeza que os compõe hoje, mas eu estarei por terra, à beira do abismo de minha angústia e de minha vida pacata que levarei - porque o amor, este sertão aberto ao mundo, sempre e sempre e sempre será lavrado, porque nasce como flor do campo, não se sabe onde ou quais explicações geológicas ou físicas ou ainda climáticas a ele atribuir, o amor é calmo como o correr de tuas mãos que agora (imagino) atinge meu rosto - ainda que em vulcão tu te desdobres, ainda que assim te desejes mais que a mim, porque me sinto parte integrante de teu coração e de teus outros órgãos, porque sei que o tempo escorre como água, líquido e voraz, cachoeira de amar, incolor ao ar, mas intempestivo, impulsivo - do mesmo modo que serei impulsivo quando te vires, porque certamente virás até mim e passarás por mim distraída ou despercebida, e me sentirei obrigado a te chamar, implorar que me escute, porque explicarei - lá terei composto todas as frases, todos os gestos, a tonalidade da voz - cada segundo que passei, cada minuto que percorri como um atleta; bem sei, tu certamente se esquivarás, há de redobrar as falas, me aplicar golpes psicológicos e temporais até, por fim, dizer que tem um compromisso e sentarás à beira do mar aberto e invocarás o tempo, este menino traquinas, invocarás o tempo de tua juventude e de teus sonhos, implorarás para voltar e tecer novamente este laço; mas o tempo é químico, não há voltas, não há retorno: às escondidas, chorarás por tudo, por tudo o que poderia ter sido, por tudo que foi e por tudo que, não se sabe bem, a vida transforma ou transfigura; chorarás e acabar por sentir-se livre, aberta ao mundo, respirarás um ar novo e beijarás teu companheiro como da primeira vez, no vago espaço de tempo que te deixei respirar para que conhecesses outros e pudesses, lúdica, descobrir que o amor é quando estamos, verdadeiramente, sós.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Angela: compor em ar.

Como se tecido em ar,
áureo teu nome brilha em voz.
Distante,
mais que distante
teu nome perdido
em meus cabelos.

E digo nome
para não dizer a fruta que o envolve,
das doçuras que se faz na boca
ao dizê-lo: mineral, azougue em tempos,
é um dia de dizê-lo azul.

II
E dizê-la
a mulher, invólucro da carne: não a música
tingida no ar
mas o tocar - além de câmaras
além
dos toques
que de compor o ar
abre-o na flor da pele,
destilando o pólen dos dias.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Poema em peso

Toda palavra contêm, em sua nódoa de carne e fúria, o caos
destravando as manhãs; detendo-se em línguas, lábios,
rachaduras que a voz reverbera.

De ígnea, a palavra seduz ao todo. Lavrada em aço
e chamuscada no dorso do tempo, infiltra-se nos poros
da pele
como a chuva por pétalas se atrae, entremeando seu corpo
líquido em fibras de delicadeza.

A vida implode
no que a palavra aguarda (em água) o tempo de nascer.

domingo, 29 de novembro de 2009

#1

(com o pensamento em Hölderlin)

fica na fruta
teu gosto
ao mordê-la: casca
que se dissolve.

(ouvindo a manhã
despedaçar-se entre mim,
ouvindo apenas
este rugir de ossos e aços que a aurora
produz: azul)

de poema em poema
faço meu chão, um sulco
na solidão.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O fio de novembro.

De mãos que se guardam
noutras: comunhão,
fixa idéia de que a vida
vale a pena.

E risco em teu corpo
azul
como o dia que se desfolha para nascer
este novembro
(que há tantos anos escrevi sobre novembro
sobre viver em novembro
sobre viver em)
com um novelo de linhas
risco em teu corpo a forma de minhas mãos.

II

Faço um abrigo em teu peito,
desfio cada novelo de tuas idéias
até ficar este mínimo fio: pólen.

III

O pólen é fruto de trabalho manual:
extraído apenas em novembro,
retira-se do mundo
com o mesmo lampejo de vida que o trouxe.

Amarelado,
infiltra-se na pele: tem a mesma textura
do amor
e do infinito. Feito em fibras, como o ouro
e os tecidos, constitui-se parte de um poema
quando em mãos se vaporiza.

domingo, 15 de novembro de 2009

10/06/2006

Sou eu seu espelho,
a observar a sua intenção
de permanecer só.

Despeça-se,
que
eu me atiro na tarde azul
para acariciá-la sob as nuvens de cetim.

Auroras e edifícios
compõem o nosso amanhecer.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

(...)

"(...) e me repetia solene que as vozes tinham se mudado, alterando para lá e para cá, quando ouvia apenas as sílabas mortas das palavras que continham mofo. Não me importavam aqueles gestos e palavras que insistiam em sustentar a loucura e a palidez do verbo viver.

E o outro, que me ouvia, mais que ativo e voraz, me colava palavras à boca, retinha meus pensamentos aos autos, propunha-se a rasgar minhas idéias e a expô-las, analisá-las. Eu não me pertencia mais: eu era o que me restou.

E escrevi três parágrafos a ele, dedicando toda minha veemência e todo meu torpor deste resíduo líquido: vida."

sábado, 24 de outubro de 2009

- Entrega a ela pra mim?

(de idéias incompletas)

O amor é como a palavra mogno.
Sob a língua, é líquido e
vermelho,
dócil à fala, às vorazes vozes
que se apagam
e se acendem: o amor é o estado
das coisas quando repousam.

É lícito, livre e leve: feito
a folha que cai,
brandeando o ar.
Aromático,
como as manhãs que te entrego
nesta primavera.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Sutilíssima.

Eu sou como Brasília,
tenho asas e não posso voar.

sábado, 10 de outubro de 2009

(?)

Fica no vento a tua voz
verde como a primavera
que agora se abre, nos outubros
de se fazer dia, como uma flor que

Fica no verde
o teu passo,
grama que escolhe o dia azul,
dia que escolhe a noite em compasso,
noite que se entrega nas noites
de ter sido minha
e que não foi: dentro de tua voz
velei silêncio.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Das simplicidades.

para Lílian

A garota dos olhos de amar
e dos lábios de rir
sorriu
e o mundo não se encantou em diamantes,
não se fez maior, mais justo
mas, em algum lugar,
uma flor se fundiu ao ar
no exato em instante que ela se abriu.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A última conceitual

Eu fico esperando que tua imagem
surja
nos cantos mais escuros e obscuros: fico te admirando
nas entranhas da aurora, quando
ouço
os gases que as manhãs produzem se dissiparem em cores.

Eu fico te vendo e te observando
dentro de mim, como um amuleto que carrego há décadas,
um canivete, uma fotografia três por quatro,
como uma memória escancaradamente escondida nos meus cabelos.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Ela

As manhãs prostradas em jasmim.
Ouço fundir o ouro de teus cabelos no vento
e a voz a dilatar-se: delato toda minúcia de viver.

Sou o que tenho:
estes pés que partem para um paraíso
estas mãos que manejam frases,
esta tipografia de um corpo a enlouquecer.

domingo, 6 de setembro de 2009

Dominicial: falas

Canto
e é um canto geral
dito aos sussuros, aos berros
um canto que se de dizer fosse em breve
canoro
a cidade o ouviria: canto,
mas é prosa que digo de dentro de caixas
papéis, poemas

Canto
um canto
brasileiro: dito pausado
como se no canto da boca já
escorressem sílabas:
cantar
como cantam os poetas populares
ditos e desditos: façamos a palavra
vibrar nos manifestos, nos monastérios
façamos a palavra
surgir como uma blusa, nas estampas da voz
nos veludos da vida, nas bocas beijadas
na fala popular.

Canta
tua palavra
que não se desgasta em ordem, tempo
canta e diz que de viver a vida
é pouca
quase certa - rouca: quase que fica
nos breves breviários do tempo,
nos solilóquios da alma, nos temporões da calma

Pontuo
teu canto
nos pontos do pêndulo
canta
como se de pender ao lado
já fosse estrada: quem é
não vive,
vive quem está
nos cantos do cantar.

domingo, 23 de agosto de 2009

À beira do abismo

"Eu adormeço às margens de uma mulher: adormeço às margens de um abismo."
Eduardo Galeano

Tenho manchado meus lábios com vinho e murmúrios
e tenho te desejado mais que a mim,
mais que meu futuro próximo e pródigo,
ou mais que a cidade: ruas
e avenidas
que te busco e sei que não estás,
sei que a esta hora estás
em tua casa, oculta, dentro de livros
e personagens: trechos de teu corpo que não li
e não lerei - quem sabe - nunca.

No entanto, te desejo
e isso dói mais aos domingos.
Te desejo como nunca
havia desejado,
mas te escrevo e te esqueço
porque em meus lençóis de mármore
tu não estás.


Palavra (de teu
nome que)
como um rio cresce
cortando cidades, passando pela mata,
por casas
por infâncias: como um
rio
teu nome
cresce dentro de mim
e vai batendo e batendo e batendo
e corro contra as ruas, contra os parques,
praças
corro dentro de mim: rodopio em meus planos,
giro e danço em minha arquitetura de vento:
ventanias
que te levam.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Poema feito a giz

A fruta no pomar
está alheia a tudo que a circunda,
exceto seu bojo de açúcar e textura,
que cresce
e vai tomando a forma de algo palpável,
de alguma coisa que se possa dizer fruta
ou açúcar
ou pele de fruta: alguma coisa
que se sinta e se prevaleça sobre o mundo.

Uma fruta no pomar
é mais que um avião
mais que um automóvel.
Flora
reduzida a sua mínima parte: vívida
pele
que cada vez mais se assemelha a aurora: delira
lentamente
nas horas da manhã
para então morrer no moer do açúcar e
do tempo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

360 graus

São tempos de depuração: nada fica,
nem mesmo o que foi dito ou escrito,
o que foi registrado, analisado. Nem mesmo
aquilo que foi gravado - não fica.

Nem mesmo os pássaros, os ninhos, as árvores.
Nem as casas, os projetos de vida, mobília ou reminiscências.
Não ficarão as mágoas, os rancores; tampouco a inocência, a prece, o ar.


Nada fica ou ficará: tudo se acaba
no exato instante em que te vejo.

domingo, 9 de agosto de 2009

Documentário

Um pouco dos dedos, dos pômulos, dos dentes, das gengivas. Um tanto dos sonhos, dos beijos, das brigas, das intrigas:

um tanto quase que perdido entre teu corpo e minha alma, entre o vão das coisas que se partem às quatro horas da tarde nas ventanias, nos vendavais, nos verões: coisas que ficaram perdidas
entre manhãs
dominicais: um tanto quanto que quase enlouqueci
quando vi teu
corpo
recender a este cheiro incomparável que é da infância,
um perfume molhado, quase úmido
que percorria minhas narinas, meus músculos, minhas fortificações: escrevi
teu nome
nos pântanos de minhas veias, em meus rios de vertigem, nas minhas cóleras de amor.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Eu

tarde escorre e depois sopra
na espuma da voz
o dia se faz
lentamente
rosto límpido
desfoca
a manhã de verão

passa todo mundo
só não passa meu amor
acho que ficou
pra trás com outro.

I
meu coração perfeccionista
cerzindo dias
em um só

bem sei,
meu coração-válvula
a expirar nuvens
em direções opostas

meu coração hermético
arde na pólvora da alma.

II
um desespero infantil
embutido na alma
é tudo que tenho
agora
essas manhãs que cultivadas à chuva.

III
nas cinzas do teu corpo
as tormentas se reduzem
abrem-se
as cortinas da flor
meus olhos de pétalas
estranham
o mundo

IV
libélulas arrastam
meu corpo
ao precipício:
flutuo
desordenada alma
na ópera de mim.